Só o Cinema pode salvar os cinemas e deixar os espectadores com fome novamente

A magia do quarto escuro

Sabemos, somos monotemáticos, talvez obsessivos. Mas é porque a nossa natureza cinéfila é incapaz de desviar a atenção, é incapaz de deixar de lado este verme que nos perfura o cérebro no período pós-pandemia, para nos darmos uma resposta a uma questão crucial: o que será do cinema? Obviamente não estamos a falar do Cinema como forma artística (daí o C maiúsculo), porque é óbvio que sempre se farão filmes, mas sim do ver no cinema, da tradicional escuridão que nos envolve e ilumina a mágica. Estamos preocupados com este último aspecto a ponto de não dormirmos à noite. Dói sobretudo que tenham havido meses, suficientes para nos acalmar, em que a situação parecia não só melhorada mas resolvida, enquanto o final da primavera nos traz a este verão com o coração oprimido pela ansiedade por aquele sistema que amamos, com o qual nascemos e crescemos e que ameaça implodir e desabar sobre si mesmo.

Tudo evolui, tudo muda. Tudo morre.

James Woods 'enfeitiçado' pelos lábios de Debbie Harry no Videodrome

Videodrome, um dos melhores filmes da televisão

Mas talvez seja um destino inevitável? Será talvez a nossa alma ligada ao passado que não quer aceitar o rumo natural das coisas? Por outro lado, os tempos mudam, tudo evolui e talvez já não seja o momento do salão, não com a mesma importância que poderia ter tido antes, quando era o ponto de referência ideal, senão o único, para grande parte de sua existência, para poder curtir os filmes. Será que o grande ecrã, com o seu encanto, a sua magia, a sua visão colectiva e partilhada, já não será a melhor solução para ver o último filme que nos despertou a curiosidade? Alternativas não faltam, aliás abundam, incluindo um sofá doméstico com TV e sistema de áudio ultra-tecnológicos, mas também computadores, tablets, smartphones, com cada vez menor espaço dedicado à imagem, e cada vez maior conforto. Mas isso não importa hoje, certo? O importante é devorar o conteúdo sem parar e sem nunca se saciar, talvez até aumentando a velocidade para não perder tempo e acrescentar outros entalhes à lista dos nossos troféus de binge-watcher da era moderna.

Uma fênix chamada cinema

Então está tudo acabado. Temos que nos resignar. Como foi dito e reiterado com o advento da televisão primeiro e depois do homevideo, quando o cinema era algo ultrapassado que não podia mais ser atraente, algo antiquado, obsoleto. Inconveniente também, quando no final você tinha o suficiente em casa para passar as noites sem precisar correr para um quarto escuro e gastar dinheiro para se divertir. Discursos proferidos diversas vezes por uma morte anunciada diversas vezes da qual o cinema e os cinemas entendidos como estrutura sempre ressuscitaram. Esplêndidas fênix prontas para renascer das cinzas. Uma imagem forte, que gostamos de propor novamente, mesmo que em última análise o cinema nunca tenha chegado ao ponto de ter de almejar a ressurreição, porque, afinal, nunca esteve morto.

Amanhã tem mais Paola Cortellesi Setembro

Paola Cortellesi no set de Ainda há amanhã, o maior sucesso desta temporada

Ele sofreu, ficou ferido e mancou, sim, mas nunca morreu. Porque seu poder imaginativo é tal que torna impossível o descontentamento a ponto de decretar seu fim. Mesmo agora, especialmente depois dos últimos dados de Maio de 2024 e da preocupação que manifestámos, estamos longe de ter de declarar a morte do cinema, mas estamos ansiosos pelos cinemas ou pelo menos parte deles, que correm o risco de seguir o mesmo destino que a algumas estruturas durante e após a pandemia: se é óbvio que todos continuaremos a ver filmes e que pelo menos uma parte de nós nunca deixará de querer fazê-lo no teatro, é igualmente óbvio que algo deve ser feito. Mas o que?

Encontre soluções e salve-se. Sozinho

Deadpool e Wolverine 1

Deadpool & Wolverine: Ryan Reynolds e Hugh Jackman em cena do filme

Não contemos com a ajuda de cima, embora fosse bom que ela existisse, principalmente se visasse aquelas atualizações tecnológicas de que muitas estruturas necessitam. Não contemos nem com a benevolência do público, implorando para ir ao teatro para nos sentirmos salvadores de um sistema. É o próprio sistema que deve encontrar a força para se salvar, para encontrar não apenas os mesmos estímulos para não desistir que interceptou quando era a TV ou o vídeo doméstico que ameaçava a sua sobrevivência, mas para parar por um momento e pensar no que está acontecendo. é necessário fazer. Pare também para entender os sinais que chegam, selecione os títulos a propor e entenda como propô-los para torná-los conhecidos e criar antecipação. Já não é um tempo em que basta lançar um filme e deixá-lo à sua sorte, já não basta apenas um trailer transmitido em canais com promoção tradicional, é necessária uma comunicação direcionada, à medida do título individual, articulada, generalizada .

O que podemos fazer, e faremos cada vez mais, é falar de filmes. Com a paixão que nos leva a fazê-lo todos os dias e a atenção que cada trabalho merece. O que a distribuição deve fazer é escolher e fazer a curadoria, seguir cada título identificado para lançamento nos cinemas como se fosse uma criança a ser criada. Os expositores e as estruturas finais, simplesmente os cinemas, têm que trabalhar no terreno, no território, tentando envolver os seus espectadores habituais, criando filiação e comunidade. Fazendo um grupo.

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Se tudo isso for feito e só então, caberá a você que lê, a cada espectador deste mundo incrível que nos fascina há mais de um século, chamado à tarefa mais louca e ingrata: é preciso ter fome de novo , você tem que estar curioso, interessado. Concentrado. Um absurdo hoje, quando muitas pessoas lhe dizem que o limiar de atenção exigido de você raramente é superior a 30 segundos, mas não dê ouvidos a eles e tente observar e ouvir com atenção: você encontrará uma floresta de histórias nas quais será seria maravilhoso se perder. Na segurança acolhedora de um quarto escuro.