A pessoa mais importante na vida de Richard Linklater é (como costuma acontecer) sua mãe, Diane, uma educadora profissional que trabalhou com crianças de diferentes idades, desde as que frequentavam o ensino médio até as que ocupavam carteiras universitárias. Para o futuro diretor foi vital aproximar-se de tal pessoa, como demonstra sua reação ao superar um momento de grave desânimo após um diagnóstico traumático pelo sonho de seguir a carreira de jogador de futebol. Richard, de facto, orientou todos os seus esforços para uma análise interior, que depois, através do cinema, conseguiu alargar à alma humana e à sua relação com o destino, tornando-a um leitmotiv da sua carreira.
Richard Linklater em Veneza 80.
O grande tema da filmografia é aliás justamente esta investigação em grande escala, que Linklater também pôs à prova através de soluções audiovisuais extremas no que diz respeito à narrativa, como quando acompanhou um dia de alguns desajustados em Slacker (considerado um manifesto da Geração o história da infância em 12 anos. Uma investigação que se preocupa com o microcosmo pessoal, mas que sempre teve a ambição de olhar para o contemporâneo, mesmo quando produziu comédias aparentemente descomprometidas como School of Rock ou, mesmo, Hit Man.
Na verdade, olhando mais de perto, este último filme, embora parta de uma incrível história verídica, através de uma adaptação que olha para a história de amor e assenta na abordagem de um homem só (não é por acaso que uma das canetas em o filme é o protagonista, Glen Powell), revela, após reflexão mais aprofundada, ter um alcance teórico incrível. Linklater de fato cria uma história filosófica, que fala de máscaras, identidade e autopercepção olhando para o panorama contemporâneo, em que esses elementos são cada vez mais fundamentais.
Duas (macro) pistas também provam isso
Glen Powell e Adria Arjona estão em Hit Man?
A primeira pista (macro) para a essência teórica do filme de Richard Linklater é dada pelo seu título. Hit Man na verdade se refere a assassinos de aluguel, figura mítica utilizada na literatura e no mundo cinematográfico a ponto de ser considerada existente na visão popular. Crença errada, como o próprio filme faz questão de dizer, desautorizando de alguma forma a relação com a realidade e abrindo caminho para o funcionamento através de arquétipos.
Ser um assassino ou não ser um assassino?
Seu professor se torna um Hit Man, ou seja, algo que não existe na Natureza, algo completamente abstrato, como se a realidade entrasse em outra dimensão semântica, onde se pode vestir roupas completamente novas e, em certo sentido, acessar uma liberdade de imaginação que não é alcançável na realidade. Uma forma de se reconstruir do zero e assim posteriormente mudar a vida no “mundo real”. Algo que acontece todos os dias hoje em dia quando somos solicitados a construir um perfil de nós mesmos num quadro artificial de significado. E não estamos necessariamente a falar de redes sociais, embora sejam um excelente exemplo.
A questão da identidade
E é aqui que Hit Man dá mais um passo em frente, inserindo o desconhecido da realidade que vem bater à porta, mostrando o outro lado da moeda de uma história de amor tão grande que já não pode ser contida num quarto e ambos. uma experiência que nada tem a ver com o novo caminho percorrido pelo protagonista do filme. Não só uma forma de criar o habitual (mas sempre divertido) mecanismo de mal-entendido, mas também de nos falar sobre a relação entre identidade e imagem construída.
Ser professor ou não ser professor?
Um dilema pirandelliano que regressa frequentemente na carreira de Linklater e que se centra numa questão bastante simples na sua formulação, mas extraordinariamente complexa na sua relevância: quem somos realmente? Somos o resultado do nosso destino? Somos o que os outros nos ensinam a ser? Ou temos a oportunidade de ser quem queremos ser? Talvez um professor possa até se tornar um assassino profissional, descobrindo que o que ele acredita ser o seu verdadeiro eu não corresponde à sua razão de ser.
Através deste processo Hit Man consegue anular qualquer ordem hierárquica ou qualquer ideia do que poderia ser verdadeiro ou falso, mostrando o perfil de uma humanidade líquida, que pode se tornar a soma de muitas experiências, mas, acima de tudo, pode se tornar o soma de muitas identidades na medida em que nenhuma é verdadeiramente falsa. A relação entre nós e a imagem que podemos construir é, por vezes, tão forte que ultrapassa o destino, agora mais do que nunca com as ferramentas que temos, tornando-se a mesma coisa. O importante é permanecer fiel a si mesmo porque, caso contrário, corre-se o risco de se perder. Em última análise, o homo liquidus é a melhor expressão do homem no século XXI, mas a questão da identidade ainda é uma discussão aberta.
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