Dos Challengers ao Match Point: o tênis no cinema vira metáfora das fraquezas humanas

Dos Challengers ao Match Point: o tênis no cinema vira metáfora das fraquezas humanas

Paciência é necessária no jogo de tênis, assim como é preciso paciência (e um pouco de sorte) para superar ilesos os sets estabelecidos por uma partida como a da vida. Com as nossas raquetes desafiamos o destino, entre forehands e backhands, deslizamentos e gritos. O adversário é duro, um jogador que parece sempre antecipar cada movimento nosso e conhece a nossa técnica. Mesmo assim, continuamos a servir, a responder, à procura do ponto, aspirando ao match point. Tudo isso enquanto a bola voa, quica e recomeça; tocando as duas metades do campo, aquela bola deixa de ser um objeto tangível, mas é investida de outro significado, o das decisões que visam estabelecer o rumo do nosso caminho, a natureza da nossa existência.

Desafiadores 3

Josh O’Connor em Desafiantes

“Existem dois caminhos que você pode seguir, mas no longo prazo ainda dá tempo de mudar o caminho que você está” cantou o Led Zeppelin, mas sob o olhar do espectador, no nosso jogo contra o destino não há caminhos alternativos para pegar, apenas o plano B, improvisações, ases inesperados, voleios elusivos e imprevisíveis. E nessa projeção direta de uma realidade como aquela que nos envolve, nos molda, que é o cinema, o tênis também se despoja do seu sentido denotativo para se investir de outros sentidos. Deixando de ser um esporte a ser seguido nas arquibancadas da competição saudável, o tênis no cinema é hoje desemantizado de seu significado primordial para simbolizar sombras ameaçadoras do ser humano. Um jogo contra as próprias obsessões e/ou com os obstáculos impostos pela sociedade envolvente: o ténis no cinema torna-se um contentor de vícios e virtudes, fraquezas e fragilidades, tudo reunido no espaço de uma bola que agora voa, corre, é atirada de meio campo a campo, à espera de um ponto de vitória, de uma vantagem final sobre o adversário. Aquele destino que no final só nós decidimos se somos nefastos ou cúmplices.

Challengers, ou o jogo de controle

Desafiadores

Zendaya é Tashi Duncan

Tashi Duncan não é mais a grande promessa do tênis. Já não o é e não porque esteja ferida, marcada no corpo e na alma por um osso quebrado, mas porque nas mãos de Luca Guadagnino a grande estrela do tênis agora se torna um engolidor de fogo da existência. Como um marionetista sádico, a jovem assume as fileiras de homens atraídos por ela, conquistados, dependentes, para movê-los como bem entender. Se ela tiver que se limitar ao papel de treinadora e motivadora, faça-o dentro e fora da quadra de tênis. E assim a jovem manipula, pede, exige, alimentando a competição, explodindo amizades. O jogo de tênis em ## Challengers (aqui está nossa análise) não é mais apenas um desafio de mão dupla, mas uma relação de três vias: um ménage não apenas vivido entre seus protagonistas, mas também entre os vértices essenciais de um triângulo cinematográfico como aquele que une atores, diretor e espectadores.

A escala do erotismo torna-se cada vez mais acentuada, cada vez mais vertiginosa, enquanto o ténis se despoja da sua natureza desportiva para assumir a obsessão, o controlo, a dominação. O sexo aparece, mas é apenas um pensamento maravilhoso, um momento que toca a pele, arrepiante, excitante. Tudo em Challengers é deixado ao poder do substrato psicológico, a esses fios tecidos e manobrados por Tashi, para os quais o tênis e sua adrenalina reverberam manipulações mentais, coerções que uma mulher como a interpretada por Zendaya (Lady Macbeth cujas mãos não são mais cobertos de sangue, mas de suor e bolas de tênis) realizadas em detrimento de homens que só na união final encontram o equilíbrio, uma amizade perdida, rompendo finalmente aqueles laços impostos por outros, por outros marcados.

Match Point, o ponto da obsessão

Scarlett Johansson e Jonathan Rhys-Meyers em Match Point

Scarlett Johansson e Jonathan Rhys-Meyers em Match Point

“As pessoas têm medo de admitir o quanto a sorte é importante na vida. É assustador pensar que ela está tão fora de controle. Às vezes, em um jogo, a bola bate na fita e por um momento ela pode passar por cima ou voltar. Com um pouco de sorte, isso acontece.” passa e então você ganha. Ou não e então você perde.” Está tudo aqui, neste incisivo incipit, o sentido da vida de Woody Allen, de Match Point. Pela voz de seu protagonista, o diretor elabora seu manifesto sobre a obsessão humana, sobre aquele verme mental que tudo afeta e o investe de afetos doentios, gerando caprichos sentimentais, trazendo a morte. Para Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers) aquela bola tocará a fita e depois voltará, abrindo uma passagem para um inferno pessoal onde a dependência emocional, a incapacidade de controlar as próprias emoções, lançará o homem em um vórtice interno movido por sopros de ambição. , e ventos de destino nefasto.

Emily Mortimer e Jonathan Rhys-Meyers em Match Point

O outro lado do tênis segundo Woody Allen

Nas mãos de Woody Allen, o tênis se torna a metáfora perfeita para uma ascensão social entrelaçada com traições, seduções e uma paixão desenfreada que ameaça e destrói tudo. Num campo de jogo repleto de citações e homenagens (de “Crime e Castigo” de Fedor Dostoiévski a “Bel Ami” de Guy de Maupassant), Match Point é um jogo onde o vencedor é a dominação maníaca e a obsessão mortal, enquanto o triângulo amoroso marcado por traições e sentimentos efêmeros, físicos e corporais, sucumbem a um ponto de ruptura decisivo, lançado com precisão pela queda moral da raça humana.

A batalha dos sexos e as desigualdades de género

Batalha dos Sexos: Emma Stone e Steve Carell na primeira foto

Emma Stone e Steve Carell e o tênis dos anos 70

Batalha dos Sexos não é apenas um filme biográfico, mas também não é apenas um filme de tênis. O que os diretores Jonathan Dayton e Valerie Faris conseguiram foi uma sobreposição de múltiplos níveis, substratos temáticos e de gênero que tornam difícil simplificar o filme de arquivo dentro dos limites de uma única categoria cinematográfica. Ao contar a histórica partida de tênis entre Billie Jean King e Bobby Riggs, o disfarce de uma cinebiografia esportiva desaparece, deixando espaço para sua natureza mais autêntica como filme político, dramático e cômico. A descoberta da própria homossexualidade, ou a desigualdade entre homens e mulheres, tornam-se agora questões e elementos de preconceitos universais, que ainda hoje, quarenta anos depois, permanecem atuais e difíceis de quebrar. Depois o cinema se encarrega de lançar luz sobre um mundo que denuncia a falta de igualdade das mulheres em relação ao género masculino, e sobre aquela incapacidade generalizada de aceitar o amor em todas as suas formas, sem medo nem hesitação. Jonathan Dayton e Valerie Faris decidem assim escrever o seu próprio ensaio sociocultural usando o ténis como simples pretexto, vector privilegiado para temas e tópicos muito mais profundos, capazes de abalar e tocar a sensibilidade dos outros.

Batalha dos Sexos: Steve Carell e Emma Stone em cena do filme

Batalha dos Sexos: Steve Carell e Emma Stone em cena do filme

Os dois confiam então a sua visão de mundo a um desafio que de desportista passa a ser uma projecção de dois mundos distintos de encarar a vida e de viver a sociedade envolvente: por um lado temos o ex-campeão de ténis, Bobby Riggs (um extraordinário Steve Carell), filho de uma sociedade misógina e com uma mentalidade ainda sexualmente obtusa, que não tem medo de demonstrar a superioridade do sexo masculino sobre o sexo feminino. Por outro lado, surge Billie Jean King (Emma Stone), uma das maiores campeãs do mundo, mas também porta-voz do movimento feminista no âmbito desportivo. A rodear a concretização desta “batalha dos sexos”, estão os autênticos jogos disputados na intimidade pessoal e doméstica pelos dois protagonistas: há o de Billie Jean, que apesar da aparente satisfação com um ambiente feliz e no geral sólido, ele se apaixona pela bela cabeleireira Marylin (Andrea Riseborough) e por Bobby, incapaz de conciliar sua obsessão pelo jogo com um casamento que está no limite. A batalha dos sexos torna-se, portanto, uma projeção visual de todas as lutas que todos nós travamos diariamente. Cabe a nós escolher entre enfrentá-los como Billie Jean King ou Bobby Riggs. O importante, porém, é sair por cima.